Mesmo gostando muito de escrever, jamais havia transcrito o caso que vou
narrar e durante muitos anos evitei comentar o ocorrido comigo. Lá pelo inicio
da década de setenta, minha priminha, com 17 anos apenas, foi assassinada ao
defender o namorado que brigava com um desafeto. Foi terrível aquele
acontecimento, eu tinha vinte e poucos anos naquela época e nutria uma amizade
fortíssima pela jovem Helena. Algum tempo depois do funeral, dormia em minha
casa ( a casa que hoje habito com minha mulher e meus dois filhos), quando
despertei ouvindo o ruído de automóveis que passavam numa avenida próxima. Olhei
para o relógio, era ainda madrugada. Fiquei deitado de bruços, apenas ouvindo o
ruído esporádico dos carros que transitam na madrugada. Era uma madrugada de
muito calor. Lembro que eu dormia numa cama de abrir, posta na sala de entrada
da casa, pois eu havia saído de casa por um período e perdido a vaga no quarto
para um irmão adolescente. Deitado naquela posição e descoberto, senti duas
mãos fortes segurarem os meus tornozelos. Pareciam muito fortes e completamente
geladas. O susto inicial se transformou em pânico quando senti nitidamente um
dedo igualmente gelado subindo por minhas costas, como uma massagem tétrica,
horripilante, pela sensação de medo e impotência que me causou. Quando aquele
toque horrível atingiu a região da nuca, senti meus cabelos esticarem de uma
forma indescritível. Eu estava paralisado de medo e frio. Mesmo diante daquela
situação patética, elevei o pensamento, tentando não enlouquecer pelo
inusitado. Ouvia nitidamente os automóveis passando na avenida próxima da rua
onde moro. Não suportando mais aquele martírio, pensei no que poderia ser. - Só
pode ser coisa da Helena! - Pensei desesperado. Então ouvi bem ao lado da cama a
risada zombeteira dela, rápida, seca, como um rádio que é ligado e desligado
imediatamente. Num esforço mental monstruoso, consegui por alguns segundos
superar o pavor que sentia e rezei, rezei mentalmente com todo o fervor.
Engraçado, o toque gelado não sumiu imediatamente, primeiro percorreu o caminho
das minhas costas e desapareceu na ponta dos meus pés. Atordoado de medo,
permaneci deitado de bruços, sem coragem para sequer me cobrir. A cabeça
afundada no travesseiro. Assim fiquei, ate que o dia clareou e meu pai abriu a
porta do quarto dele, indo com meu irmão mais novo até a rua. como sempre fazia
após as noites calorentas de Porto Alegre no verão. Mesmo ele passando ao lado
da cama onde eu estava, não tive coragem suficiente para me levantar. Quando
tomava o café matinal com meus pais, revelei o ocorrido, achando que não
acreditariam. Felizmente ambos não só deram crédito ao relato, como mandaram
rezar uma missa para Helena. Tempos depois, ainda lembrando daquilo tudo,
recordei das brincadeiras que fazíamos ( eu e Helena) sobre a morte e ela
sorrindo ameaçava que - Viria puxar meus pés quando morresse... -. Como seqüela,
nunca mais pude dormir com os pés descobertos, mesmo durante o dia em pleno
verão. Dizem tenho certa mediunidade, outros casos, não tão drásticos voltaram a
ocorrer envolvendo pessoas mortas, mas isso eu conto outro dia. Obrigado pela
atenção.
Newton - Porto Alegre - RS